''Este não é o momento de turbinar candidaturas''

08-03-2010 12:46
Felipe Recondo - O Estado de S. Paulo
 
Presidente do TSE adverte que legislação não permite a chefes de Executivo sair a campo neste momento para tentar fazer sucessor

O clima de campanha política antecipada e as seguidas acusações de utilização da máquina pública para captar votos levam o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Ayres Britto, a dar um recado - curto e direto - para quem só pensa nas eleições: "Este não é o momento de chefias de Executivo saírem a campo para turbinar candidaturas."

A dois meses de deixar a presidência do TSE, quando será substituído pelo ministro Ricardo Lewandowski, Britto avalia, em entrevista ao Estado, o processo eleitoral e a confusão que os políticos brasileiros fazem entre projeto de governo e projeto de poder.

"Ninguém é eleito para implantar um projeto de poder. Que um partido tenha um projeto de poder, vá lá. Mas nenhum candidato pode ter um projeto de poder", afirma. "Isso é defeito de Lula, de Fernando Henrique ou de José Serra? Não. Isso é sistêmico, faz parte dos nossos costumes", acrescenta o ministro.

A seguir os principais trechos da entrevista concedida na tarde da sexta-feira:

Qual é o limite para um gestor público impulsionar uma candidatura?

À luz da legislação, este não é momento de se impulsionar candidatura. Não é o momento de o chefe do Poder Executivo apoiar explicitamente, turbinar ou elogiar explicitamente uma candidatura. A legislação não permite isso. A lei estabelece um prazo para propaganda (6 de julho). Não se pode fazer propagada. E se houver, é propaganda antecipada. Este não é o momento de chefias de Executivo saírem a campo para turbinar candidaturas.

O sr. fala de quem?

De quem detém o controle da máquina administrativa. Não se pode propagandear candidatura nesta fase. A base de inspiração da proibição de propaganda antecipada é uma só: não perturbar o funcionamento da máquina administrativa, não misturar a máquina com propaganda eleitoral, não confundir ação de governo com proselitismo eleitoral. Essa mistura é um elemento de perturbação no funcionamento da máquina de modo a, inevitavelmente, violar a princípio da impessoalidade. E, quando se viola o princípio da impessoalidade, que é constitucional, ficam desequilibradas as forças dos pré-candidatos.

Não pode haver propaganda para pré-candidato?

Pode, até porque nas pré-candidaturas o seu nome vai ganhando densidade e você vai se habilitando perante os convencionais do seu partido. É natural que se queira fixar uma imagem, divulgar ideias, porque você vai se cacifando para a eleição. A propaganda da pré-candidatura se dá no âmbito intrapartidário, não no extrapartidário.

Em resumo, o que se proíbe é a confusão da máquina com a campanha?

O que se proíbe é que chefias executivas passem a administrar a máquina na perspectiva de uma candidatura e de uma sucessão, aproveitando inauguração de obras para incensar candidatos. Isso é um elemento de perturbação da máquina administrativa. Assim, o princípio da impessoalidade explode e, por consequência, o princípio da paridade de armas vai para o espaço.

Chamar a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, de mãe do PAC viola o princípio da impessoalidade?

Essa alcunha de mãe do PAC surgiu há mais de um ano, mas, se pronunciada pelo presidente nesta fase, sinaliza - não quero fazer prejulgamento - favorecimento, quebra de princípio. Mas sempre é preciso ver o contexto em que a fase foi pronunciada.

Mistura-se o projeto do governo com a candidatura?

O problema mais grave pra mim é que nós confundimos no País projeto de governo com projeto de poder. Um candidato se habilita perante o eleitorado numa campanha em cima de um projeto de governo, que, por definição, é quadrienal. O governante tem de ser julgado pelo seu projeto de governo.

E projeto de poder?

Projeto de poder é outra coisa. É querer esticar o mandado por anos a fio e até sem limites no tempo. Ninguém é eleito para implantar um projeto de poder. Que um partido tenha um projeto de poder, vá lá. Mas nenhum candidato pode ter um projeto de poder. Porque o projeto de poder é antirrepublicano. É daí que vem a tentação do terceiro mandato, do quarto mandato.

Isso leva os governantes a lutarem para fazer o sucessor?

Quando você tem um projeto de poder, você quer fazer o sucessor. E, quando isso acontece, fica muito difícil demarcar os campos de sua atuação como governante e como propagandista de determinado candidato. Nós temos esse defeito estrutural de confundir projeto de governo de projeto de poder. Ninguém foi eleito para fazer seu sucessor. Mas todo mundo quer fazer seu sucessor. E, quem sabe, suceder o seu sucessor.

Mas essa confusão é feita por todos?

Sim. Sabe por quê? Porque as chefias do Executivo se deixam levar pela ideia de obrigatoriedade de fazer o sucessor. Isso é defeito de Lula, de Fernando Henrique ou de José Serra? Não. Isso é sistêmico, faz parte dos nossos costumes. É uma cultura de indistinção entre projeto de governo e projeto de poder.

A reeleição agrava essa mistura?

O instituto da reeleição agravou a cultura de projeto de poder. Assim como o patrimonialismo significa indistinção entre o espaço público e o privado, a nossa cultura implica indistinção entre projeto de poder e projeto de governo. E isso é nocivo para a qualificação da vida política do País.

Depois de dois anos como presidente do TSE, qual a impressão que o sr. leva do processo eleitoral no País?

Ao final de dois anos como presidente, eu suspeito que partidos e candidatos, em determinados temas, não têm interesse no saneamento dos costumes. Por exemplo: prestação de contas, arrecadação de recursos e fidelidade partidária. Eu robusteço em mim, à medida que o tempo passa, que determinados temas não sensibilizam partidos e candidatos.

O que o TSE pode fazer frente a esse desinteresse?

Isso dificulta o nosso trabalho. O TSE baixa uma resolução disciplinando, por exemplo, a perda do mandato por infidelidade partidária. Mas e se o partido não se sente traído pelo trânsfuga? Quem vai sentir ciúme pelo traído, se o traído não se incomoda? O trânsfuga de um partido hoje prejudica a legenda, mas essa legenda se beneficia com o trânsfuga de outro partido. O mesmo vale para caixa 2 e doações ocultas.
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