Como proteger a internet de virar uma torre de Babel

23-06-2009 10:21
LESLIE BERLIN - The New York Times

Nos primeiros anos da internet, quase todo seu conteúdo aparecia em inglês. Mas isso está mudando rapidamente. Hoje, artigos da Wikipedia, por exemplo, podem ser encontrados em mais de 200 línguas. E cerca de 36% dos 7 milhões de blogs que aparecem na plataforma de software gratuita WordPress são escritos em outras línguas senão o inglês, segundo o fundador da plataforma, Matt Mullenweg.
Ethan Zuckerman, pesquisador do Centro Berkman para a Internet e a Sociedade, na Universidade Harvard, EUA, diz que mudanças como essas criam um desafio. “Temos uma internet menor do que deveríamos”, disse ele. “Na web criada pelos usuários, construímos uma dinâmica estranha pela qual a cada dia há mais conteúdos —alguns deles importantes—, mas cada pessoa, individualmente, pode ler menos deles, porque eles estão em muitas línguas diferentes.”
Vários serviços, automatizados e humanos, ajudam a traduzir o que Zuckerman descreve como “a internet poliglota”. Tecnologia de tradução automatizada, antes cara, hoje é gratuita e em 41 idiomas em sites como o “Google Translate”. Ali, o usuário pode inserir um bloco de texto, e uma tradução gerada por máquina aparece quase instantaneamente.
O “Google Translate” também pode traduzir um termo de busca para outra língua e então fazer uma procura por ele em sites em línguas estrangeiras. Os resultados aparecem sob duas formas: na língua-alvo e traduzida de volta para a língua original. Traduções automatizadas são capazes de oferecer versões funcionais de textos básicos, mas ideias ou formulações complexas podem atrapalhar mesmo os softwares mais sofisticados, especialmente em línguas não românicas. E, quando se trata de nuances, “a tradução por máquinas simplesmente não dá conta do recado”, diz Zuckerman.
Pessoas em todo o mundo têm se oferecido para esclarecer essas nuances, sem cobrar por isso. O estudante de Taiwan Leonard Chien é tradutor e intérprete profissional. Ele cobra US$ 100 por hora como intérprete. Mas, durante três horas por dia, trabalha como tradutor voluntário para o “Global Voices”, site de jornalismo cidadão fundado por Zuckerman e Rebecca MacKinnon. Chien traduz para o chinês posts escritos em todo o mundo.
Chien é codiretor do projeto de tradução Global Voices, conhecido como Lingua, que usa voluntários para traduzir posts da Global Voices em 15 idiomas. Ele recebe uma pequena ajuda de custos mensal por seu trabalho de diretor, mas fica feliz em doar seu tempo como tradutor. “Sempre me empolgo com assuntos novos”, diz. “Quero transmitir tudo isso a meus leitores, mas em línguas diferentes.” Chien faz parte de um grupo de 104 pessoas que recentemente se ofereceram para traduzir voluntariamente para o projeto Lingua.
Voluntários de todo o mundo também participam do programa “Google em Sua Língua”, ajudando a empresa a traduzir seus produtos em 120 línguas. Em 13 de maio, uma conferência com palestrantes como Al Gore e Bill Gates e aberta só a convidados postou subtítulos e transcrições traduzidos de muitas de suas palestras arquivadas em seu site. Das 300 traduções, 200 foram feitas por trabalho voluntário.
O designer gráfico Alexander Klar, de Mohnesee, Alemanha, que estima ter passado 62 horas traduzindo as palestras do evento para o alemão, se sente inspirado pelo próprio conteúdo. “Compartilhar essas ideias, transpondo os limites da língua, nos oferece uma oportunidade de esquecer os muros e as barreiras que nos separam”, disse.
A conferência começou o projeto de tradução de vídeos prevendo usar principalmente os serviços de tradutores profissionais, apesar de o site ter recebido traduções não solicitadas de palestras específicas, feitas por fãs. “Pensávamos que a tradução profissional fosse a única forma de garantir trabalho de alta qualidade”, explica June Cohen, produtora. A adoção dos tradutores voluntários se deu no segundo semestre de 2008.
Enquanto isso, diz Zuckerman, são necessárias outras soluções. “A internet tem o potencial de ser uma conversa global”, observa. “Mas, a não ser que resolvamos esse problema com as línguas, ela não poderá sê-lo e não o será.”

*Publicado na Folha de S. Paulo em 08/06/2009

Voltar

Procurar no site

© 2008 Todos os direitos reservados.