Ditadura digital nas empresas

11-06-2010 14:35
Alexandre Hohagen - Folha de S. Paulo
 

HÁ MUITOS anos despertei para os usos estratégicos da tecnologia aplicada à gestão e ao negócio. Na última década, dediquei minha carreira a grandes companhias de mídia e tecnologia -sendo os últimos cinco anos no Google, onde liderei a implantação da empresa no Brasil e atualmente estou à frente da operação da América Latina.
É nesse contexto que farei minha contribuição regular a este novo projeto editorial. Inauguro traçando um paralelo com um tipo de notícia que volta e meia aparece nesta mesma Folha e em outros jornais respeitados em todo o mundo: algum governo, geralmente com viés autoritário, restringe ou proíbe o acesso de seus cidadãos à internet.
O caso mais recente de que me recordo foi com o Paquistão. Há cerca de um mês as autoridades do país determinaram que provedores de internet bloqueassem o acesso ao YouTube e ao Facebook.
Por mais chocante que possa parecer, esse tipo de cerceamento ou censura não ocorre apenas em países governados de forma pouco democrática. Por razões diferentes, muitas empresas no Brasil também proíbem que seus funcionários acessem esses mesmos sites.
Recentemente percebi que uma pessoa muito próxima, com a qual me comunicava por meio do Gtalk, comunicador instantâneo do Google, não aparecia mais como disponível para conversar on-line. É como se não abrisse mais a ferramenta de comunicação. Quando liguei, recebi a explicação surpreendente: a empresa para a qual trabalha bloqueou a utilização de alguns sites e programas. Não era mais possível falar via comunicadores instantâneos. Estava também proibido o uso do YouTube dentro da companhia.
Redes sociais, nem pensar.
Qual o sentido disso, em um mundo que vive conectado, onde as pessoas interagem com outras cada vez mais pela internet e assim trocam experiências e conhecimento? As razões alegadas vão da mais estapafúrdia desculpa de evitar a distração dos funcionários até questões relacionadas a custo, capacidade da rede interna etc.
Mas o fato é que não há mais justificativa válida para alijar funcionários de ter acesso imediato e transparente ao que ocorre no mundo. Até porque, com a internet migrando cada vez mais para diferentes plataformas -como celulares-, fica difícil ter certeza de que seu funcionário não se conectará, mesmo que a rede da empresa esteja bloqueada. Aqui no Google, ser transparente e tratar o tema com maturidade é parte de nossa cultura.
Uma pessoa se comunica em média com um número dez vezes maior de indivíduos via ferramentas on-line do que pessoalmente. Centenas de milhares de internautas geram conteúdos na internet. Somente no YouTube mais de 24 horas de vídeos são postadas a cada minuto. Além do impacto severo na produtividade, o bloqueio de alguns programas e sites faz com que se percam grandes oportunidades de negócios e afeta diretamente a capacidade de atração e retenção de talentos.
Segundo pesquisa encomendada pela empresa Clearswift, há uma nova geração de profissionais conhecida como "StandBy": pessoas que não querem separar a experiência de seu dia a dia pessoal com o profissional. O relatório mostra que o banimento ao acesso a sites de relacionamento levaria 21% dos profissionais a trocar de emprego. O estudo sugere que a maioria dos profissionais valoriza a confiança e a permissão para usar a internet no trabalho mais até do que o salário.
No Brasil, o exemplo clássico é o relançamento de Deditos, famoso chocolate da Nestlé, após a constatação de que milhares de pessoas em diferentes comunidades no Orkut pediam a volta do produto ao mercado. Que grande oportunidade a empresa teria perdido caso seus funcionários não pudessem monitorar o que acontece do lado de fora de suas catracas.
Nos EUA, a Canon se utiliza de uma equipe de profissionais especializados em monitorar e responder a comentários, vídeos e outros conteúdos referentes a seus produtos em blogs, microblogs, sites de vídeos etc. Várias outras empresas líderes em suas áreas de atuação estão fazendo o mesmo.
Ou seja, caro executivo: se você não permite o acesso ao que acontece fora de sua empresa, repense sua estratégia. E prepare-se: o controle de sua marca e da imagem de seus produtos e serviços já não está exclusivamente em suas mãos.

____________
ALEXANDRE HOHAGEN, 42, jornalista e publicitário, fundou a operação do Google no Brasil em 2005 e desde 2009 é presidente da empresa na América Latina. Passa a escrever mensalmente, às quintas, nesta coluna.

Voltar

Procurar no site

© 2008 Todos os direitos reservados.