Google na berlinda

11-12-2009 15:57
Vera Brandimarte, de Haiderabad (Índia) - Valor Econômico
 
Mídia: Jornais veem seus direitos autorais desrespeitados ao mesmo tempo em que não conseguem faturar com uso do material que produziram e é divulgado pela internet.



David Drummond, vice-presidente sênior e chefe da divisão legal do Google: "Não venho armado. Não disparem contra mim", disse ele no início de sua palestra no 62º Congresso da Associação Mundial de Jornais e Novos Publishers

Quase três anos atrás, em março de 2007, Bill Gates, então presidente da Microsoft, discursando para uma plateia de executivos e donos de empresas de comunicação na reunião da Sociedade Interamericana de Imprensa, em Cartagena das Índias, na Colômbia, previu um horizonte curto para os jornais impressos. "Nos próximos três anos, não mudará muito", mas a revolução digital já a caminho em poucos anos resultaria, na opinião de Gates, na chegada das informações ao leitor por meio digital e a internet seria não uma ameaça, mas uma importante ferramenta para uso de todos.

Neste início de dezembro, perto de 900 donos e editores de jornais reunidos em Haiderabad, na Índia, para o 62º Congresso da WAN-Ifra, a Associação Mundial de Jornais e Novos Publishers - que representa mais de 18 mil publicações de 3 mil companhias em cerca de 120 países - continuaram a mostrar sua perplexidade diante das rápidas mudanças tecnológicas e sociais que vêm desestruturando seus negócios. Mas suas conclusões não endossam integralmente o futuro previsto por Gates.

O jornal impresso, para um público formador de opinião e disposto a pagar por ele, ainda deve conviver por muitos anos com os serviços noticiosos na internet e ainda deverá ser a principal fonte de receita das empresas jornalísticas. A perda de assinantes e de receita das publicações está sendo atribuída não a um desinteresse dos leitores por notícias e análises de jornalistas que trabalham para empresas de informação conceituadas, mas à perda de controle dos conteúdos produzidos por essas empresas quando seus leitores estão migrando para a internet. Nesse espaço, os jornais veem seus direitos autorais flagrantemente desrespeitados e não conseguem faturar com o uso do material que produziram e aproveitar a chancela de credibilidade que sua marca imprime ao conteúdo, que continua a ser procurado na web.

As informações apuradas pelos jornalistas hoje chegam a um público inimaginável para jornais impressos, mas as receitas de publicidade, embora ainda pouco expressivas na internet, não são apropriadas por quem paga os jornalistas para produzir conteúdos. Sem contar que o impresso também perde receita de circulação, pois quem pagará pelo que pode ser obtido de graça na internet? Pior ainda, as receitas de publicidade devem cair em termos globais.

Os números dizem tudo. Pesquisa da PricewaterhouseCoopers aponta que, de um total de US$ 182 bilhões em publicidade no ano passado, a receita dos jornais no mundo digital foi inferior a US$ 6 bilhões e as previsões para 2013 mostram que elas vão crescer pouco, para não mais que US$ 8,4 bilhões. Como a queda da receita de publicidade dos jornais impressos deve cair a uma taxa de 4,5% ao ano até 2013, a expectativa é que, somadas, as receitas publicitárias do impresso e do digital serão até lá inferiores às de 2008.

Segundo a consultoria de mídia ZenithOptmedia, neste ano, em razão da crise financeira global, os gastos com publicidade no mundo caíram 9,9%. Para os jornais, a receita de publicidade caiu 17% e para as revistas 20%. Mesmo na Ásia, onde os jornais continuam a crescer em número de leitores, o faturamento com anúncios caiu 11%. Nos Estados Unidos, no primeiro trimestre, a redução foi de 29% no segmento de publicações impressas e cerca de 17% nas plataformas digitais.

Contraditoriamente com a expectativa de que a internet mataria os jornais, sua circulação cresceu 1,3% em 2008 e 8,84% nos últimos cinco anos. Mesmo com toda a crise, 34% da população mundial lê um jornal por dia, índice bem maior do que os 24% que usam a internet para se informar. Os números mascaram uma realidade: que a expansão se dá na Ásia. Somados, Índia - hoje o maior mercado do mundo para jornais -, China e Japão respondem por 60% do total de circulação. Em mercados emergentes, a circulação dos jornais continua a aumentar, mas na América do Norte e Europa...

Ganhos de receita só vão para o Google, afirmou Timothy Balding, copresidente da WAN, que já no primeiro painel deu o tom dos debates que se seguiriam nos três dias do congresso em Haiderabad. "Apesar das previsões sobre a morte dos jornais, eles continuam a crescer em circulação." Ele reconheceu, porém, que as edições impressas progridem em circulação de maneira desigual, com queda nos mercados maduros. Nesses mercados cresce a leitura de jornais em plataformas digitais, o que significa também uma expansão muito maior do número de leitores. Mas a divisão da receita de publicidade está crescentemente privilegiando os que não são geradores de conteúdo. Google e Yahoo se apropriaram de 27% do total da receita, tendo, juntos, 65% do mercado de busca.

O debate sobre os responsáveis por esse cenário avançou com cenas de aparente autocrítica. "O Google já foi chamado de vampiro digital, de cleptomaníaco de notícias [e de plagiador e pirata]. Ele está no centro dessa crise da imprensa. Mas a indústria [de jornais] é o principal arquiteto de sua crise. Estamos entregando o nosso trabalho a esses integradores de busca", disse Les Hinton, presidente da Dow Jones, prosseguindo na cruzada à qual se tem dedicado o controlador da companhia, o empresário australiano Rupert Murdoch. Ele não estava em Haiderabad, mas seu nome foi lembrado muitas vezes para reforçar a crítica ao não pagamento às empresas jornalísticas dos direitos autorais sobre as notícias.

"Como é possível que a internet tenha oferecido tantas promessas e tão poucos benefícios para a indústria?", questionou Hinton. A resposta veio também no discurso de vários palestrantes. A indústria deixou que as empresas e em especial agregadores de conteúdo como Google fizessem o discurso da revolucionária democratização da notícia, e ele mesmo se tornasse um gigante graças a um mundo de acesso grátis e de conteúdo obtido gratuitamente. "Hoje somos mais virais, mas menos rentáveis. O gratuito é extremamente caro", afirmou Hinton.

A ideia de que sites na web apoiados em publicidade eram o futuro não passou de ilusão, constatam as empresas jornalísticas. Mesmo o fenômeno de audiência YouTube "não atrai publicidade com famílias dando banho em cachorros. O YouTube já está gastando para adquirir vídeos de qualidade. Quanto tempo vai passar até que comece a cobrar de seus seguidores?", questionou o executivo da Dow Jones. Da mesma forma como o Google deve chegar a essa conclusão, os jornais devem encarar o fato de que a publicidade não será suficiente para pagar as despesas da produção de conteúdo, observou. A saída é cobrar do leitor por conteúdo de qualidade e melhorar também os padrões de impressão, inclusive da tinta - algo em que a indústria dos jornais pouco investiu nos últimos anos. E, claro, cobrar do Google ou obrigá-lo a impedir o acesso grátis ao conteúdo dos jornais.

"Quero dizer que nós não estamos advogando caridade aqui. Nós, publishers, não queremos que o Google nos permita colher as migalhas que caem de sua mesa. Queremos um posicionamento claro do Google sobre direitos do autor", defendeu, com veemência, Gavin O'Reilly, presidente da WAN e CEO do Independent News & Media plc, grupo de comunicações de Dublin, na Irlanda, que expandiu seus negócios para Austrália, Índia, Inglaterra, Nova Zelândia e África do Sul. O título do painel era sugestivo: "O que fazer sobre o Google? O grande debate".

"Não venho armado. Não disparem contra mim." Assim o vice-presidente sênior e chefe da divisão legal do Google, David Drummond, iniciou sua participação no painel. Reclamando da agressividade do título do painel, o desenvolto executivo foi bombardeado de todos os lados. E devolveu. "Imaginem que estamos em 2015, eu posso ler periódicos, revistas [pela web] e sabem quem eu sou e do que necessito. Alguns artigos serão pagos, outros não... Os anúncios serão dirigidos para aquilo que eu posso pagar... sempre serão editores que vão decidir o que será mantido no Google ou não, o que será controlado ou não... Estamos convencidos de que os jornais são centrais para as democracias e sabemos das dificuldades para eles se rentabilizarem. Nesta semana falaram em vampiro, cleptomaníaco, isso não vai resolver nada, além de ser uma grosseria."

Seu discurso não comoveu uma plateia que busca luzes para a sobrevivência de seu negócio. "Até agora o Google não aceitou discutir [a questão do direito autoral e pagamento], dizendo que o conteúdo grátis gera tráfego. Mas por que tenho que aceitar o modelo de negócio do Google? A qualidade do conteúdo, as notícias e as análises são caras, e para garantir que sigam sendo feitas é preciso um diálogo com o Google sobre direito do autor. É a lei. Espero que o Google comece a entender que isso tem que ser justo para ambas as partes. Não quero massacrar, quero convidar o Google a vir negociar. O que fazer sobre o Google? Fazê-lo aceitar que o direito autoral é importante", afirmou O'Reilly.

Drummond tentou a paz, observando gentilmente que o conteúdo do jornal é valioso e importante para o Google. Mas quando questionado se não seria justo, já que o conteúdo é importante, que o Google pagasse por ele, que participasse da solução para a mídia, Drummond saiu pela tangente, argumentando: "Nós temos que investir muito. O Google não é só notícia, damos, por exemplo, as condições para os jovens colocarem seus vídeos na web".

Mas que porcentagem das receitas do Google provém das notícias?, questionou alguém da plateia. "Muito pouco", respondeu Drummond. E ouviu a réplica: "Mas, se é pouco, por que o Google não nos exclui?" E mais: "O Google vai nos ajudar ou vai nos confrontar em nosso pedido à União Europeia para proteção de conteúdo?" Drummond ainda tentou argumentar que o mecanismo recém-anunciado First Click Free é um avanço no sentido de garantir a proteção de conteúdo dos jornais.

Mas Dae-Whan Chang, chairman do Maeil Business Newspaper & TV, da Coreia, conclamou os jornais à insubordinação. "Na Coreia, o Google só tem 5% do mercado, ante 95% na Holanda." Chang preside a Associação dos Jornais Coreanos. Do total da receita publicitária coreana, 73% vai para portais, 27% para jornais e somente 4,7% para Google e Yahoo. Lá, 73 jornais se puseram de acordo para colocar notícias em um mesmo portal, em tempo real. Esse portal, gratuito, tem 62% da receita publicitária. "Queremos convencer todos os jornais a criar um portal conjunto na Coreia." A ideia é que os jornais sejam eles próprios o agregador de seu conteúdo e explorem as possibilidades de receita da web. "Talvez devêssemos criar um portal mundial", sugeriu.

"O que não queremos é resolver esse problema com o Google nos tribunais e enriquecer advogados. No momento em que começamos a envolver políticos, juízes e advogados, tudo fica muito confuso", disse O'Reilly.

Apesar dos ataques, publishers e Google devem caminhar para a negociação. Os jornais porque, com a queda da receita de publicidade prevista para os próximos anos, vão tentar tudo para buscar novas fontes de faturamento. O Google porque a ele não interessa essa "guerra", que pode favorecer a aliança da mídia com seus rivais, como a Microsoft. Nesta semana, o Google anunciou um projeto com "The New York Times" e "The Washington Post". O Living Stories pretende tornar mais fácil a busca de notícias dos dois jornais sobre um mesmo assunto. Só que o Google continua a não pagar os jornais para exibir seu conteúdo.
Voltar

Procurar no site

© 2008 Todos os direitos reservados.