O que as nossas compras dizem sobre nós

23-06-2009 10:39
John Tierney - The New York Times
 

Por que um diploma da Universidade Harvard custa US$ 100 mil mais que uma folha de papel semelhante da City College de Nova York? Por que uma BMW pode custar US$ 25 mil mais que um Subaru WRX? Por que consumidores “sofisticados” exigem iPhones de 16 gigabytes e café da Starbucks vendido em “comércio justo”?
Pesquisadores de mercado ou publicitários podem argumentar a respeito da diferença entre decisões de compra “racionais” e “emocionais” ou sobre produtos classificados como “hedonista”, “utilitário” ou “posicional”. Mas o psicólogo evolutivo Geoffrey Miller, da Universidade do Novo México, EUA, diz que mesmo as melhores cabeças do mundo publicitário ainda estão na idade das trevas pré-científica.
Se os marqueteiros (ou seus clientes) compreendessem os novos cálculos feitos por biólogos a respeito da “sinalização custosa” dos animais, disse Miller, veriam que diplomas de Harvard e iPhones transmitem o mesmo tipo de sinal que a cauda de um pavão. Às vezes a mensagem é simples: “Tenho recursos de sobra”. Mas produtos de grife não se resumem à ostentação de riqueza efêmera. A plateia que vai receber nossos sinais —potenciais parceiros, amigos, rivais— está mais interessada nas características permanentes de inteligência e personalidade, como Miller explica no livro “Spent: Sex, Evolution and Consumer Behavior” (Gasto: sexo, evolução e comportamento de consumo).
Suponhamos que um homem jovem, depois de ouvir as especificações do iPhone mais novo ou ser informado da “direção eletrônica Servotronic de potência variável” de uma BMW, diga a si mesmo: “Impressionante!”. Miller faz a seguinte tradução do comentário: “Vou comentar essas características de maneira que demonstre minha inteligência geral a potenciais parceiras e amigos, que vão se render diante de meu poder tecnológico superior”.
Miller diz que boa parte de nosso prazer com produtos vem do instinto inconsciente que nos diz que eles vão assinalar nossa aptidão para sermos bons parceiros, demonstrando inteligência ou outra de cinco qualidades de personalidade: franqueza, conscienciosidade, agradabilidade, estabilidade e extroversão.
Em experimentos, Miller e outros pesquisadores constataram que as pessoas têm tendência maior a gastar dinheiro e esforço com produtos e atividades se, antes de começar, forem instigadas com fotos ou histórias de pessoas do sexo oposto. Depois desse preparo, os homens se mostravam mais dispostos a gastar com relógios caros e férias na Europa. As mulheres se mostravam mais dispostas a fazer trabalho voluntário e outros atos de caridade conspícua —sinais de alto grau de conscienciosidade e agradabilidade, como preocupar-se com agricultores do Terceiro Mundo ao pagar a mais pelo café “justo” da Starbucks.
Mas, depois de você ter gastado o dinheiro, até que ponto esses sinais vão beneficiá-lo? Não muito, diz Miller. A ilusão consumista fundamental, diz ele, é que nossas compras afetam a forma como somos tratados e que os outros se interessam pelo que compramos. Será? Para superar obsessões de consumo, Miller sugere exercícios como traçar comparações entre os custos relativos e os prazeres proporcionados pelas coisas que você comprou (experimente o exercício no site nytimes.com/tierneylab). Pode parecer estranho que precisemos de exercícios —por que razão a seleção natural nos deixaria com esses fetiches improdutivos?—, mas Miller explica.
“Evoluímos, na pré-história, como primatas sociais que quase nunca topavam com estranhos”, diz ele. “Por isso, instintivamente tratamos todos os estranhos que encontramos como se fossem potenciais parceiros, amigos ou inimigos. Hoje, porém, nossa felicidade e sobrevivência não dependem de nossos relacionamentos com estranhos.”

*Publicado na Folha de S. Paulo em 09/06/2009

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